Rota do Café: um convite ao afeto 6g4m8

Pense em uma visita que você faz a alguém. Pode ser uma pessoa que você já conhece ou mesmo que nunca viu antes

Mas imagine também que esse alguém te recebe não em uma, mas em 15 salas de estar diferentes, cada uma com o melhor que a casa desse visitado tem a oferecer. Essa foi uma das sensações que tive — e ainda tenho — já ados alguns meses da primeira Rota do Café Especial de Maringá, em 2024, quando eu já pensava em me instalar definitivamente na famosa cidade paranaense. 

A Rota não é, pelo que vi, somente um evento para as cafeterias incrementarem as vendas de certo período. Está mais para uma formação de público, com repercussão ainda maior a médio e longo prazos. Em sua primeira edição ano ado, permitiu que o visitante conhecesse a fundo não só as delícias apreciadas no evento, mas também o funcionamento da cafeteria, como seu dono a concebeu – nunca é uma história comum, vá por mim — e qual é o nosso papel do lado de cá do balcão, mais importante do que pensamos. Sim, a Rota mostrou que o frequentador faz parte da vida do lugar.

Mais que uma simples promoção coletiva, a Rota pareceu mais foi um workshop dividido em 15 aulas completamente imersivas, em 15 salas diferentes, sendo algumas delas no melhor estilo EAD, pois em algumas, por serem torrefações que ainda não possuem cafeterias, podíamos pedir seus kits em casa, o que foi muito importante para mim, como explicarei logo mais. Aprendemos muito sem nem mesmo percebermos, de tão natural o modo como tudo aconteceu. Tomar café bom de verdade, feito do jeito certo, foi o mínimo aprendido. Houve muito mais. 

Dificilmente, após as experiências que cada cafeteria ofereceu, o cliente poderá ser considerado um leigo no assunto. Não será mais um consumidor ivo para o qual alguém empurrará cafés de má qualidade ou que aceitará a atual e lamentável normalização do mau atendimento que tira o prazer de sair de casa.

A Rota foi uma amostra do que é ser recebido em Maringá, uma cidade ao mesmo tempo irada por muitos – que aqui vieram ou não — e subestimada por outros por ser interiorana. Vá por mim, ela lhe surpreende. E olhe que sou mais do que veterano do dia a dia das grandes metrópoles. Maringá nos deixa mal-acostumados, pois poderemos estranhar outros lugares futuros em que não nos darão a mesma atenção.

A Rota mal surgiu e já é um case que chama a atenção de cidades em que a cultura da cafeteria como terceiro lugar está arraigado há mais tempo. Não será de estranhar se quiserem repetir a empreitada.

É notório por parte do usual frequentador de uma cafeteria que ela é um estabelecimento de forte cunho social. Nela, amizades (ou algo mais) se formam, futuras famílias começam, contatos profissionais são feitos, parcerias são formalizadas. Também é, muitas vezes, o único lugar em que alguém tem um tempo para si durante o dia inteiro, dedicado a pôr as ideias em ordem, dar a devida atenção a um livro, a uma revista ou mesmo à simples e já meio esquecida — e tão necessária — arte da contemplação dos arredores, das outras pessoas. É bem mais que tomar ou comprar café.

Não é nada incomum, portanto, que os donos de cafeteria se tornem grandes amigos de alguns clientes, pois aquele lugar é um dos pilares que formam as vidas dos dois lados dessa mesma moeda em um período muito importante de suas vidas: o cotidiano, esse essencial tempo ao qual muitos de nós não damos importância – não por desprezo, mas por mera desatenção mesmo. O agora fica mais rico se você a pelo seu café do coração próximo de sua casa, no pé do prédio em que trabalha, perto da faculdade ou mesmo ao lado de sua igreja de todo domingo. Completa o dia. 

Saí de São Paulo para morar nessa cidade que tem 40 vezes menos habitantes. O baque era inevitável. Mas foi um baque muito bem-vindo. Eu estava acostumado, em meu querido bairro paulistano, a ter literalmente dezenas de cafeterias entre as melhores que o Brasil pode oferecer – uma delas, inclusive, integra uma recente lista das ‘top 100’ do mundo. Eu já havia me preparado para dar adeus à realidade quase diária de ar por um bom café ao decidir vir para cá. 

Mas, ao virar a página, encontrei outra também tão rica em histórias que fiquei maravilhado: a quantidade e a qualidade das cafeterias maringaenses, além das de localidades próximas como Campo Mourão, Cianorte, Mandaguari e outras, me deixaram positivamente surpreso. Eu, embora já antes afeito a esse mundo cafeinado, sinto que em Maringá estou ainda mais mergulhado em seu cerne, apesar de dar simultaneamente atenção a tantas cafeterias, torrefações, lojas de órios e eventos do ramo. 

Culpa da Rota. Ela deu um renovo a algo que eu não só pensava já ter abandonado, como também já imaginava desgastado. Trouxe mais do que eu pensava ter perdido.

Prova disso? Eu tenho. Certa vez, pediram-me que definisse a Rota em três palavras, sendo que eu poderia citar dezenas. Mas uma delas ficou na minha cabeça: romântica. 

Eu explico. Mesmo quem me conhece há mais tempo acha que eu gosto muito de café, mas não entendia que do que eu gostava mesmo era de cafeterias, por tudo isso que eu já expliquei e mais. Em Sampa eu simplesmente não fazia café em casa. Meus cafés eram descobertos e apreciados à beira dos balcões, nos papos diretos com baristas, por lazer ou levando trabalho e estudo para as mesas do lugar. Era um dos meus principais modos de me relacionar com a cidade, algo a mim imprescindível. Porém, como em algumas experiências da Rota levamos ótimos grãos para casa, o resultado foi a descoberta do café em família, em volta da mesa. 

O prazer de fazermos o primeiro café do dia, decidirmos juntos qual o grão ou blend da vez, o método a ser usado, faz a maior diferença em um dia cheio ou tranquilo. É um momento só nosso, de união, de cumplicidade. Não tardou e começamos o nosso “cantinho do café”, sempre em formação com um novo ório, um novo grão de boa procedência – beiram os dez o número de pacotes na prateleira, todos de empresas aqui da região. É um espontâneo e gostoso ritual. Se isso não é inserir romantismo a um dia que seria comum, eu não sei o que é. 

Não fica nisso. Nas horas em que o lazer se torna possível, a pergunta é “a que cafeteria vamos hoje?”. Raramente é uma só. Com isso, apreciamos nossa cidade, descobrimos novos cantos dela – sim, turismo também é para quem mora no lugar.

Saímos de casa já cientes da boa recepção que nos espera, de nossos amigos formados graças à Rota do Café Especial. É a mesma recepção que alguém de fora que venha à cidade também pode esperar. Vá por mim: seja bem-vindo. 

Lhe espero para um café. Pode escolher onde. Há bem mais opções do que pensa.

Marcelo Cypriano, jornalista, já escreveu sobre um pouco de tudo nessa vida — cinema, turismo, gastronomia, política, história, entretenimento e por aí afora. Carioca, também morou em São Paulo por 29 anos e agora se radicou na terra vermelha paranaense. Nem bebia café até a idade adulta, mas o cenário das coffee shops paulistanas o apresentou a uma realidade sem volta, na qual ele presenciou a transição do gosto do brasileiro para o café especial. Raro é o dia em que, a trabalho ou lazer, não pisa em uma cafeteria.