O Valor Econômico do Cuidado: reflexões para o Dia das Mães 2a484z
Apesar de não aparecer nas contas nacionais, o trabalho das mães sustenta uma parte significativa da economia brasileira. Todos os anos, o segundo domingo de maio mobiliza o país com campanhas emocionantes, promoções e homenagens. Contudo, por trás das flores e presentes, permanece invisível o esforço contínuo de milhões de mulheres que sustentam suas famílias com trabalho remunerado e não remunerado — muitas vezes invisível para a sociedade.
O cuidado prestado por mães — cozinhar, limpar, acompanhar tarefas escolares, prover apoio emocional e organizar a vida doméstica — é uma engrenagem essencial para o funcionamento da sociedade e da economia. No entanto, por se concentrar no ambiente privado e não gerar renda direta, esse tipo de trabalho é historicamente excluído das estatísticas econômicas. Assim, enquanto celebramos simbolicamente a figura materna, continuamos negligenciando a real dimensão do esforço que ela representa.
Paradoxalmente, o Dia das Mães é a segunda data mais importante para o comércio varejista no Brasil, ficando atrás apenas do Natal. Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), as vendas no período devem movimentar mais de R$ 14,37 bilhões em 2025. Caso essa expectativa se confirme, o setor terá um crescimento de até 1,9% em relação ao valor registrado no ano anterior. A maior parte desse movimento concentra-se nos segmentos de vestuário, calçados e órios (R$ 5,63 bilhões), seguido por perfumaria e cosméticos (R$ 3,02 bilhões). Em menor escala, aparecem as vendas de utilidades domésticas e eletroeletrônicos (R$ 1,85 bilhão), além de móveis e eletrodomésticos (R$ 1,70 bilhão).

Esse impulso no consumo revela o quanto a data é valorizada pelo mercado e pela sociedade. No entanto, também convida a uma reflexão: se, por um lado, a mãe é amplamente celebrada como símbolo de afeto e dedicação, por outro, pouco se fala sobre o trabalho cotidiano — muitas vezes invisível — que sustenta esse papel. As mães exercem funções vitais para o bem-estar de suas famílias e para o funcionamento da economia, mesmo quando esse esforço não é quantificado. Valorizar o cuidado de forma concreta — por meio de políticas públicas, reconhecimento institucional e melhores condições de vida — é um o necessário para que o carinho demonstrado nessa data se converta em compromisso social.
Além disso, é fundamental compreender que a maternidade traz consequências econômicas de longo prazo. No Brasil, o estudo “O cuidado enquanto ocupação: em que condições?”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em abril de 2025, aponta que o trabalho doméstico e de cuidados continua sendo exercido majoritariamente por mulheres — sobretudo mulheres negras. Os dados de 2024 revelam que 93,9% das pessoas que desempenham essas funções são mulheres, sendo 65,2% negras. Entre as cuidadoras remuneradas, 44% são mulheres negras, enquanto a participação dos homens negros é de apenas 3,8%.
Esse impacto também se manifesta nas trajetórias profissionais. Segundo Claudia Goldin, professora de Economia na Universidade de Harvard (EUA) e vencedora do Prêmio Nobel de Economia em 2020, ao se tornarem mães, as mulheres podem ter uma queda de até 30% na renda em comparação com mulheres sem filhos — um fenômeno conhecido como “penalidade da maternidade”. Parte dessa diferença pode ser atribuída ao nível de escolaridade e às escolhas profissionais. No entanto, Goldin sugere que uma parcela expressiva da disparidade salarial entre mulheres na mesma profissão se intensifica a partir do nascimento do primeiro filho.
Esse panorama está inserido no contexto da chamada economia do cuidado — um campo ainda marginalizado nas análises econômicas tradicionais, mas de impacto profundo. A economista Nancy Folbre, da Universidade de Massachusetts, em Amherst (EUA), argumenta que o trabalho não remunerado das mulheres, especialmente das mães, representa uma externalidade positiva sistematicamente ignorada, embora essencial para a manutenção da força de trabalho. Em outras palavras, cuidar dos filhos, da casa e da família é um serviço de alto valor social, que permite que outros membros do domicílio — como parceiros ou filhos — possam trabalhar e produzir, mesmo sem que esse esforço entre nas estatísticas socioeconômicas.
De forma semelhante, o Fórum Econômico Mundial, no relatório “The Future of the Care Economy” (março de 2024), estima que o trabalho de cuidado não remunerado — realizado majoritariamente por mulheres — equivale a cerca de 2 bilhões de pessoas atuando em tempo integral sem receber por isso. Esse volume de esforço representa aproximadamente 9% do PIB global, ou cerca de US$ 11 trilhões por ano. A estimativa foi obtida ao calcular quanto custaria, em termos de mercado, contratar alguém para realizar essas mesmas tarefas — como cuidar de crianças, idosos e manter a casa funcionando. Na América Latina, onde boa parte desse cuidado é prestado dentro dos lares, sem apoio público ou infraestrutura adequada, o valor pode representar até 24,2% do PIB regional. Esses números evidenciam que, embora invisível nas estatísticas formais, o trabalho do cuidado sustenta não apenas famílias, mas também economias inteiras.
Neste Dia das Mães, mais do que flores ou homenagens, somos convidados a refletir com carinho e profundidade sobre o papel das mães na sustentação da sociedade. O cuidado que exercem diariamente movimenta não apenas lares, mas também a própria economia. Reconhecer esse esforço vai além do agradecimento simbólico: exige que, como sociedade, criemos condições mais justas para quem cuida. Afinal, talvez o maior gesto de reconhecimento não esteja nos presentes, mas em garantir que todas as mães tenham tempo, apoio e dignidade para cuidar — inclusive de si mesmas.