Leyla Perrone-Moisés em três momentos 2w22k

Leitor e leitora que acompanha o “Bloco de Notas”, onde publico as crônicas, aqui vai um texto diferente. É a minha análise que foi ao ar na rádio CBN Maringá, no dia 25 de abril de 2025, dentro do “Biblioteca CBN”, uma coluna em que falo sobre livro, leitura e literatura. Na ocasião, abordei sobre três livros da crítica Leyla Perrone Moisés. Como lá é algo falado, para trazer o texto para cá fiz uma ou outra modificação. Não, as crônicas não vão acabar; é só a ampliação das possibilidades deste espaço. Espero que goste.

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Hoje não será um livro a pautar a nossa conversa, mas sim uma autora, a grande Leyla Perrone-Moisés. Nascida em São Paulo em 1936, ela foi, durante anos, professora da Universidade de São Paulo e uma intelectual presente no debate brasileiro em relação aos estudos literários.

A gente traz a Leyla hoje aqui porque, ao longo dos últimos dias, eu tive bons encontros com ela. Bom, não necessariamente de forma pessoal, e sim em razão de três livros da autora que li recentemente. Foram eles: “Mutações da literatura no século XXI”, publicado em 2016; “Vivos na memória”, de 2021; e “As artemages de Saramago”, lançado em 2022. Todos pela Companhia das Letras. E todos altamente recomendáveis.

Vou dividir os livros em 1) para quem gosta e reflete sobre a literatura; 2) para quem gosta de boas histórias de grandes personagens e 3) para quem gosta de José Saramago.

Na primeira categoria, “para quem gosta e reflete sobre a literatura”, está O “Mutações da literatura no século XXI”, com quase 300 páginas — uma coletânea de ensaios voltados à crítica literária. Ali, Leyla Perrone-Moisés aborda as novas formas de criação e até de recepção da literatura em nossa sociedade. Não, não é um livro acadêmico, e, eu diria, é uma bela porta de entrada para entender o mundo dos livros, seus escritores e os fenômenos que acontecem. Bem escrito e referenciado, o “Mutações” traz algumas reflexões importantes.

Uma delas é que, ao contrário do que se dizia em parte do século XX, a literatura não chegou ao fim. Isso era um tema porque, discute-se, o século ado trouxe o fim das utopias, da história do homem. Da literatura, não, mas ela mudou. Escreve ela: “Nunca se publicou tana ficção e tanta poesia quanto agora. Nunca houve tantas feiras de livros, tantos prêmios, tantos eventos literários. Nunca os escritores foram tão mediatizados, tão internacionalmente conhecidos e festejados”. E é isso mesmo.

Entretanto, ao discutir como a literatura chega ao público, a ensaista faz uma crítica: eventos literários trazem meros espectadores e caçadores de autógrafos. E os escritores hoje, para venderem mais, precisam ser mais midiáticos, deixando por vezes a qualidade da obra de lado.

Leyla também faz críticas ao ensino de literatura – que se baseou demais em conceitos e menos no prazer de ler, analisa o fato de que a literatura em primeira pessoa, do eu, do autor sendo personagem, está em voga – embora já tenha uma tradição de séculos. Dá para analisar, a partir do que ela escreve, que o eu como protagonista, embora ela não diga exatamente isso, está relacionado ao fato de que vivemos num mundo cada vez mais individual, de bolhas. Algo, de fato, da nossa modernidade. E vai muito além.

Nosso segundo tópico, “para quem gosta de boas histórias e grandes personagens”, está o livro “Vivos na memória”, de 244 páginas. É uma obra deliciosa, muito, mas muito fácil de ler e se encantar. Por meio da própria memória e de momentos em que dividiu com algumas grandes figuras da cultura, Leyla Perrone-Moisés traz relatos de quase 30 pessoas que já morreram, entre elas Antonio Candido, Haroldo de Campos, Julio Cortázar, Jaques Derrida, Lévi-Strauss e tantos outros.

Nesses registros, por exemplo, a gente se comove com as histórias e sente que estamos ao lado dela em eios por lugares do Brasil e da Europa. E, menos técnico, ela faz gracejos, como quando fala sobre Michel Butor, romancista francês. Ela o conheceu aos 36 anos e ele já havia publicado uma série de livros. E ele era bom em produzir outras coisas também. Escreve ela: “Sua produtividade família já era intensa, pois ele já tinha três filhas e, mais tarde, teria uma quarta”. Eu ri.

Esse livro, uma espécie de crônicas memorialísticas, traz informações interessantes. Como quando ela escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo. Era um suplemente sobre literatura sa que trazia textos em francês, sem tradução, algo impensável para os dias de hoje, mas que tinha, àquela altura, o objetivo de ser lido por famílias tradicionais que, claro, viam no francês uma marca de distinção. Outra boa história é de quando ela e o poeta e um dos inventores do concretismo, Haroldo de Campos, viajaram à Itália. Num evento em homenagem ao Haroldo, ela foi confundida por uma senhora como a esposa do escritor. Escreve ela:

“Uma senhora chiquérrima sentou-se ao meu lado, no sofá, e puxou conversa comigo: “Signora de Campos…”. Eu ia desfazer o engano, mas ela prosseguiu a conversa e eu continuei bebericando. A certa altura, ela me perguntou: “Avete figli?”. Como era demais, para meu italiano, explicar a ela que Haroldo tinha um filho, e eu, duas filhas, respondi simplesmente: “Sí, ma non siamo sposati”. A italiana tomou um ar muito compreensivo, e pôs-se a consolar-me, dizendo que hoje em dia era muito comum ter filhos sem ser casado, que isso não tinha importância e eu não devia me preocupar. Achei melhor não explicar mais nada”.

Por fim, na categoria “para quem gosta de José Saramago”, a recomendação é “As artemages de Saramago”. Artemages, segundo o escritor português, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1998, é como pessoas do Alentejo chamavam as artes mágicas. Nesse livro de pouco mais de 150 páginas, a ensaista volta aos olhos ao autor de “Ensaio sobre a cegueira” e “Caim”. São ensaios que abordam a produção ficcional dele, ou seja, reflexões sobre a obra do escritor. A própria Leyla chama o livro de homenagem, uma celebração ao centenário do escritor, que ocorreu em 2022.

Leyla Perrone-Moisés lembra que José Saramago ele era um fenômeno raro: respeitado pela crítica especializada, objeto de pesquisa e ensino em universidades em vários países e com grande público em todos os países em que foi publicado. Ela destaca as marcas do autor: a oralidade, o estilo. Ao falar sobre o “Evangelho segundo Jesus Cristo”, publicado em 1991 e censurado pelo então governo português, — e em minha opinião um dos melhores livros do escritor, a ensaísta, ao defender o livro como obra de arte.

A gente ou rapidamente por cada livro, claro, dando uma ou outra pincelada. Eu gostei dessas leituras – principalmente dos dois primeiros livros citados. O terceiro, embora eu goste muito de Saramago, me pareceu mais de celebração do que qualquer outra coisa mesmo. Por isso, a recomendação é: leiam Leyla Perrone-Moisés, uma intelectual erudita, clara, divertida. Nesses livros a gente vê originalidade, provocações e humanidade. Por isso que a gente, ao concluir uma leitura da ensaísta, fica com vontade de conhecer mais e mais as reflexões da escritora.

Victor Simião, 30, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail [email protected]