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09 de maio de 2025

Carnaval 2p6x3e


Por Victor Simião Publicado 06/03/2025 às 18h14
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Ainda no começo do ano, Julia e Laurinha decidiram ar o Carnaval 2025 longe de Maringá. O motivo era simples: não aguentavam mais ver as mesmas pessoas nos mesmos lugares de sempre. O destino, então, seria São Paulo.

— Laurinha, faz dois carnavais que sempre vejo meu ex-professor de faculdade dando em cima de ex-alunas ali na Vila Olímpica. E ele até hoje não aprendeu que fica ridículo trajado de Mário, sempre esperando alguém perguntar qual é a fantasia, ele responder e torcer para ouvir “Que Mário?”

Laurinha também estava empolgada para sair da Cidade Canção.

— Como vai ser o último Carnaval na Vila Olímpica, todo mundo que a gente não quer ver vai estar lá. O negócio é São Paulo mesmo.

Para a festa na terra da garoa, tudo fora programado com antecedência. Tomariam Skol Beats no bloco “A gente se vira”, na Vila Madalena; no “Carimbolano”, no Santa Cecília, beijariam um ou outro cara com boné do MST e coque; de volta à Vila Madalena, agora no “Acorda e Vem” ou no “Benjores”, tentariam encontrar o Otto ou a Alessandra Negrini, embora o mais provável fosse encontrar doutorandos em antropologia com brinco na orelha esquerda e, na língua, o discurso desconstruído; cheias de purpurina, quem sabe terminariam em alguma festa na República ou comendo pão com pernil na lanchonete do Estadão.

O tão sonhando fim de semana chegou. Após sete horas de viagem em um ônibus da Viação Garcia, uma coxinha e uma coca-zero no Graal, elas desceram na Rodoviária da Barra Funda.

— Nada de maringaenses aqui, Julia!

— Nada de cachorrão neste sábado ou Parque do Ingá no domingo!

Ainda pela manhã, já no primeiro bloco, qual não foi a surpresa das amigas ao verem, de longe, João.

— Não é possível, Julia! Mal começou a festa e já vejo um pé-vermelho por aqui.

— O pior não é nem isso, amiga. E eu que mandei uma mensagem para ele dias atrás. O miserável não abriu, não postou mais nada e em viu meus stories. Claro, para dizer que ficou off do Instagram.

Ao fundo tocava o “Trap do Trepa Trepa”.

Andando mais um pouco, desviando de uma e outra cantada barata, principalmente envolvendo Oscar (“vem comigo pra gente fazer o Melhor Filme?!”), foi a vez de Julia ver Marcelo, a quem ela havia encontrado, dias antes, no Atari. Ele havia jurado não pular Carnaval neste ano.

— Laurinha, ele me disse que havia acabado de se separar e que se resguardaria esse ano. A gente nem ficou por causa disso. E agora, olha lá, deve ter beijado umas 16 em um percurso de 300 metros!

Cansadas da Vila Madalena, decidiram sair e foram à Santa Cecília. Ao chegarem lá, viram Michelle e outras meninas também maringaenses. Não deu tempo de fugir.

— Julia, Laurinha! Que legal ver vocês aqui. Mas por que essa cara de desgosto, hein?

Ao fundo, o “Trap do Trepa Trepa”.

— Sabe, Mi, a gente queria sair de Maringá para não encontrar nenhum maringaense. A missão está falhando – Julia respondeu.

— Amiga, para não encontrar jovens progressistas que costumam ter planta em casa e livros da bell hooks é só você não ir para nenhum grande carnaval, como o de Salvador, Rio de Janeiro ou mesmo aqui. No próximo, talvez, vá para um acampamento de igreja.

— É – concordou Laurinha, que na sequência sugeriu que ela e Julia mudassem de planos e fossem para a República porque lá, talvez, não encontrassem ninguém de Maringá.

Foram. Por lá, nada de Alessandra Negrini, Otto ou qualquer outro artista cinquentão que tenta parecer descolado ao postar fotos sensuais no Instagram, e sim Marcelo, tatuado, com guias no pescoço, barbinha feita e – é carnaval! – sem aliança na mão esquerda.

— Laurinha, você viu que o Marcelo…

— Sim, sim, mas ele é amigo nosso. E de amigo nosso a gente não fala. Agora, se fosse o José…!

Ao fundo, o “Trap do Trepa Trepa”.

No domingo, já meio desanimadas, vestiram novamente o boné, a pochete, os óculos escuros, a meia arrastão e o tomara que caia. E muito aconteceu. Encontraram o pai de uma amiga que havia dado atestado no trabalho em razão de um tornozelo quebrado, mas que pulava mais que Ivete Sangalo; trocaram uma ou duas palavras com Natasha, que havia sido próximas a elas, mas cuja amizade acabou em razão de divergência estética (“maionese verde nem é tão boa assim!”); e perceberam que beijar bocas que haviam recebido vários tipos de resíduos em poucas horas talvez não fosse tão legal assim.

O pior de tudo, talvez, foi quando, na Vila Madalena, Laurinha viu Simone, sua analista havia anos, fantasiada de branca de neve tomando cerveja.

— Aí é demais pra mim, Julia.

— …?

— Na nossa última sessão, eu disse a ela que tinha tido um sonho envolvendo Raça Negra, o filme “Ainda estou aqui” e minha mãe. Chegamos à conclusão de que eu vivo no mundo da fantasia.

— …

— Isso me pareceu genial, mas agora me parece óbvio. Ela é quem vive no mundo da fantasia. Mais especificamente na Disney, mas em vez da maçã, ela tem uma lata na Brahma na mão.

No dia seguinte, no ônibus, mesmo ligeiramente frustradas, Laurinha e Julia fizeram planos. O destino, em 2026, seria Salvador. Laurinha se tranquilizou com isso e dormiu na viagem. Mais leve com o que viria acontecer em fevereiro do ano que vem, sonhou com os blocos baianos. Quem sabe veria Daniela Mercury? Quem sabe não dançaria ao som de É o Tchan!?

Ao acordar, sorriu por já ter vivido, quem sabe, o futuro. Ali mesmo decidiu abrir o Instagram do Bell Marques.

— Meu Deus!

— O que foi, Laurinha?

— Eu não vou mais ar o carnaval em lugar nenhum no ano que vem!

Ela entregou o celular para a amiga.

— Meu Deus, não é possível?!

Era.

Já no primeiro storie, logo abaixo do trio, pulando de um lado para o outro ao som de “Chiiiiiiiiiicleeeeeeeeeeteeeeeee”, o ex-professor de Laurinha, fantasiado de Mário, talvez com alguma ex-aluna.

— Esse tipo de maringaense está em todos os lugares, Laurinha.

— Sim, eu desisto — ela disse enquanto, num o de raiva, desligou o fone de ouvido – adeus, “Trap do Trepa Trepa!” – e tentou voltar a dormir.

Em silêncio, torceu para sonhar com algum acampamento de igreja.


victor simião

Victor Simião, 30, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail [email protected]

Pauta do Leitor 5l1h14

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