E agora, Congresso? 1z3m1e
“Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha(…)
para onde?”
Carlos Drummond de Andrade
A luz apagou, a noite esfriou, o povo sumiu, a Constituição virou um brinquedo nas mãos dos ministros do STF, que subjetivaram a tarefa de interpretar de tal maneira, que aquilo que é ou não constitucional se tornou mera questão de gosto, de humor e de interesses dos magistrados.

A Corte faz o que quer e, por isso, consegue emprestar governabilidade ao Executivo, sendo-lhe útil, em troca de submissão. Também consegue a mesma submissão de parlamentares, que temem ser julgados pelos ministros, em decorrência do foro desprivilegiado – nome mais adequado ao instituto.
Nesse contexto, muita gente tem clamado por uma nova Constituinte como saída para essa hemorragia institucional. Mas a ideia, com aparência de renovação, é a mais perfeita forma de manter tudo como está.
Uma nova Constituição, uma reforma profunda do judiciário, projetos sobre abuso de poder, limitação a decisões monocráticas, para serem aplicados sem perversão pelo Supremo, precisam necessariamente resultar da conjugação de dois fatores: consenso político e equilíbrio de força entre os poderes. Não há como obter um novo texto, se não for por meio de um acordo entre os muitos setores da sociedade e entre os poderes da República. Ninguém faz acordo em meio à polarização em que nos encontramos e com os poderes subjugados ao STF.
Além disso, a crise institucional brasileira não é resultado de um texto frágil ou ruim, mas de intérpretes que o violentam, conforme seu desejo. Basta pensar que estamos há seis anos sob jugo de inquéritos infinitos que se baseiam no regimento interno do STF, e condenações por crimes que não são crimes, golpes de pastelão, e muita criatividade.
Em meio a esse caos, entregar novos textos a uma corte que ignora os que já existem é jogar gasolina na fogueira das vaidades dos ministros.
O problema não está na Constituição, mas na Corte que a interpreta como quem lê o horóscopo do dia, no apoio acrítico da mídia e de uma sociedade civil domesticada, e na omissão de um Congresso que se ajoelha diante da toga com a mesma devoção que deveria ter à soberania popular.
A contenção do Supremo não virá por mais leis, mas por mais enfrentamento. Enfrentamento institucional, político, democrático. O Congresso precisa pautar a anistia, impeachment de ministro, PECs duras, indigestas, revendo, por exemplo, os crimes vagos e subjetivos que hoje servem de pretexto para silenciar vozes, criminalizar opiniões e golpear a direita do tabuleiro político.
O Congresso precisa dizer ao Supremo: daqui vocês não am. Um texto constitucional só tem valor se os intérpretes tiverem pudor, autocontenção. O que falta não é norma. É vergonha. É freio pessoal. E falta um Congresso com coragem de devolver os ministros ao seu devido lugar: o de interpretarem a Constituição, conforme seu texto.
E agora, Congresso? Congresso, e agora?
Sobre o autor
André Marsiglia é advogado constitucionalista, especialista em liberdade de expressão. Formado em Direito e Letras pela USP. Mestre e doutorando pela PUC-SP. É fundador do Instituto Speech and Press. Foi consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). É membro da Comissão de Mídias da OAB, da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP e membro julgador do Conselho de Ética do CONAR. Escreve sobre liberdade de expressão e judiciário, sempre às terças-feiras, no Portal GMC Online
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